SONHOS - O QUE SÃO E COMO INTERPRETÁ-LOS

29/03/2022 12:45

Quem já ouviu frases como "meu maior sonho é viajar mundo afora" ou "eu tinha o sonho de ser médica", provavelmente irá se familiarizar com a leitura de uma das obras mais famosas de Sigmund Freud, A Interpretação dos Sonhos (1900). Realmente, parece que o Pai da Psicanálise retirou de frases como essas sua tese de que "o sonho é a realização de um desejo" (vol. IV, p. 157).

Mas, como os sonhos são formados? Qual é o processo desse fenômeno psíquico que o torna tão misterioso e enigmático? E o mais importante, como interpretar um sonho?

O livro de Freud sobre os sonhos, publicado em 1899 com data de 1900, marcou a virada entre os séculos XIX e XX e aborda os processos inconscientes envolvidos nos sonhos. Apesar de ter levado dois anos para ser escrito, o interesse de Freud pelo tema remonta de um tempo bem anterior. Ernest Jones, em seu livro A Vida e a Obra de Sigmund Freud (1989), relata que o interesse de Freud pelos sonhos "manifestou-se muito cedo, provavelmente em sua meninice: ele sempre sonhou muito e mesmo bem cedo não apenas levava os sonhos em consideração como os registrava" (p. 353).

Após um extenso levantamento e exposição de grande parte do que já fora estudado e publicado sobre a questão dos sonhos, Freud dá a tônica de seu método interpretativo baseado em suas teorias e experiências psicanalíticas. Para tanto, preenche seu texto com diversos exemplos de sonhos à guisa da análise e interpretação. Contudo, o que mais lhe custou foi o fato de que, devido ao sigilo com que deveria resguardar os sonhos de seus pacientes, Freud utiliza os próprios sonhos para dar sequência à obra. Assim, de forma corajosa, expõe todo o processo.

Para que possamos responder às questões levantadas no início deste artigo, bem como compreender um pouco sobre toda a problemática dos sonhos, é preciso, primeiro, considerar dois conteúdos envolvidos nesse processo: o manifesto e o latente.

O conteúdo manifesto representa aquilo elaborado de forma consciente, ou seja, o que a pessoa conta e como ela relata seu sonho após acordar.

O conteúdo latente, entretanto, parte das associações individuais de cada parte que a pessoa sonhou e segue um caminho de análise até revelar o que está oculto, ou seja, seu verdadeiro sentido. Assim, Freud descreve sua técnica quando esclarece que:

Nosso primeiro passo no emprego desse método nos ensina que o que devemos tomar como objeto de nossa atenção não é o sonho como um todo, mas partes separadas de seu conteúdo. Quando digo ao paciente ainda novato: "Que é que lhe ocorre em relação a esse sonho?", seu horizonte mental costuma transformar-se num vazio. No entanto, se colocar diante dele o sonho fracionado, ele me dará uma série de associações para cada fração, que poderiam ser descritas como os "pensamentos de fundo" dessa parte específica do sonho (vol. IV, p. 138).

A partir daí, é possível compreender como os sonhos sofrem uma distorção e passam por um processo de elaboração.

Quando falamos em distorção dos sonhos, estamos nos referindo ao crivo do superego a que os pensamentos inconscientes são submetidos, mesmo quando não estamos em estado de vigília. Essa censura faz com que os desejos inconscientes sejam elaborados de forma a camuflar o conteúdo recalcado para que possam assumir novas formas na produção onírica, realizando seus desejos ocultos. Nessa ótica, Freud afirma que "o sonho é uma realização (disfarçada) de um desejo (suprimido ou recalcado)" (vol. IV, p. 193).

Agora que elucidamos como os sonhos são formados, precisamos elencar os elementos embutidos em todo o processo de sonhar. Segundo Freud, eles são chamados de condensação, deslocamento, simbolismo, dramatização e elaboração secundária.

A condensação consiste em combinar diversos elementos, como imagens, temas e ideias em um só, tornando-o mais compacto. Freud comenta que "os sonhos são curtos, insuficientes e lacônicos em comparação com a gama e riqueza dos pensamentos oníricos" (vol. IV, p. 307).

O processo de deslocamento é um processo cujo objetivo é transformar os conteúdos latentes pelos conteúdos disfarçados. Nele, elementos psíquicos de muita intensidade são esvaziados de valor e substituídos por novos elementos de intensidade psíquica menor. Para esclarecer melhor esse conceito, Freud explica que:

As representações mais importantes entre os pensamentos dos sonhos serão, quase certamente, as que com mais frequência ocorrem neles, uma vez que os diferentes pensamentos oníricos, por assim dizer, delas se irradiarão. Não obstante, o sonho pode rejeitar os elementos assim altamente enfatizados em si próprios e reforçados a partir de muitas direções, e selecionar para seu conteúdo outros elementos que possuam apenas o segundo desses atributos (vol. IV, p. 334).

O simbolismo no ato de sonhar confere aos sonhos um caráter poético, rico em metáforas e imagens que os tornam inelegíveis e com ausência de racionalidade. Segundo Freud, "o que é produzido pelo aparente pensamento no sonho é o tema dos pensamentos do sonho e não as relações mútuas entre eles, cuja asserção constitui o pensamento" (vol. IV, p. 341).

A dramatização, também chamada de concretização, é um fenômeno de economia psíquica dos sonhos que confere a eles a teatralidade necessária para sua configuração. "O fator da realidade não tem importância alguma na determinação da intensidade das imagens oníricas" (vol. IV, p. 357), diz Freud.

Por fim, a elaboração secundária é também um efeito da censura do superego. Através desse processo, o conteúdo latente se transforma em conteúdo no sonho, pois é preciso que isso aconteça para torná-lo relativamente coerente.

A partir do que foi exposto até aqui, é possível tentar responder a nossa última questão: como interpretar um sonho?

Em síntese, como técnica interpretativa, Sigmund Freud cria a pesquisa pela escuta através da catarse. Contudo, devido à resistência do ato de rememoração dos conteúdos oníricos, sua técnica toma uma direção que leva à associação livre.

A tese central de sua obra é a de que o sonho representa ou exprime a realização de um desejo, mesmo não o reconhecendo em nossa vida de vigília. Quando não aceitamos tal desejo, o "recalcamos" e os sonhos, libertos das censuras da vida de vigília e obedecendo a suas próprias leis, liberta tais desejos, conduzindo-os às novas expressões.

Para concluir, não devemos imaginar que os sonhos sejam produções inúteis e destituídas de sentido. Quando submetidos à análise psicanalítica, os sonhos são capazes de revelar elementos bastante significativos do nosso inconsciente e nos ajudar a superar traumas, medos e transtornos dos mais variados. É por esse motivo que o sonho é entendido por Freud como a via régia para o inconsciente, uma vez que é sua manifestação mais direta.

Como desfecho, deixo duas indagações feitas por Freud que nos servem de alerta para os processos mentais inconscientes:

Acaso as moções inconscientes expressas pelos sonhos não têm o peso de forças reais da vida anímica? Será que se deve fazer pouco da significação ética dos desejos suprimidos - desejos que, assim como levam aos sonhos, podem um dia levar a outras coisas? (vol. V, p. 643).


Evandro Carlos Braggio

05 e Agosto de 2018


REFERÊNCIAS:

FREUD, S. A Interpretação dos Sonhos. Vols. IV e V das Obras psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

Jones, E. A vida e a obra de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.