Os Parâmetros Curriculares Nacionais: uma visão crítica.

29/01/2011 22:10

 

OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: UMA VISÃO CRÍTICA

 

          Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) têm sido motivo de muita discussão entre os educadores e estudiosos do meio acadêmico. É sempre difícil chegar a um acordo em relação aos padrões propostos ao ensino, tendo em vista a diversidade cultural – e principalmente social – de nosso país.

          Segundo o MEC (Ministério da Educação e Cultura), a educação escolar é incapaz de formar cidadãos devido à estruturação disciplinar do currículo, e para isto, devem ser introduzidos os Temas Transversais contidos nos PCNs. Acredita-se que a resposta para os problemas da fragmentação disciplinar está no trabalho com os temas transversais, ou seja: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo, com os quais os professores poderão trabalhar no sentido de discutir características locais. Os PCNs podem ser aproveitados sim , mas com liberdade de adaptação de temas de acordo com cada região e necessidades específicas.

          Para o ensino de língua estrangeira, as novas idéias contidas nos Parâmetros vieram como uma mudança bem vinda, contrapondo-se à antiga concepção que via a língua como atividade extra, sem nenhum papel importante na formação do aluno. Na visão dos PCNs a língua estrangeira deve ser aprendida enfocando o social, dando base aos alunos para refletirem sobre quem são e na sua situação no mundo. Desta forma, os temas transversais podem ser o elo entre a crítica social e a língua a ser aprendida. A língua estrangeira funciona como “meio de expandir conhecimentos e capacidade crítica” (MACEDO, 1998:17).

          Entretanto, como veremos a seguir, há muito que se discutir e investigar sobre os textos que compõem os PCNs. Na verdade, o quadro pintado acima poderia realmente ter uma paisagem agradável e promissora não fossem os equívocos e contradições existentes nas entrelinhas deste documento de 1998.

          Os PCNs (1998:20) registram a primeira demonstração de pouca legitimidade do ensino de idiomas ao minimizar a importância do ensino de habilidades orais, afirmando que “somente uma pequena parcela da população tem a oportunidade de utilizar línguas estrangeiras como instrumento de comunicação oral”.  Ao argumentar a favor de se privilegiar o ensino de leitura em detrimento das outras habilidades, o documento afirma, na página 53:

 

“Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu próprio contexto social imediato (...) Deve-se considerar também o fato de que as condições na sala de aula da maioria das escolas brasileiras (carga horária reduzida, classes superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos professores, material didático reduzido ao giz e livro didático etc.) podem inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas. Assim, o foco na leitura pode ser justificado em termos da função social das LEs no país também em termos dos objetivos realizáveis tendo em vista condições existentes.”

 

          É surrealista que um documento do próprio MEC reafirme a má condição do ensino no país e que se acomode a essa situação adversa em vez de propor políticas de qualificação docente e de melhoria do ensino. O texto dos PCNs, além de negar a importância das habilidades orais e da escrita e ignorar as grandes modificações advindas da era da informática, reproduz o mesmo discurso do parecer 853/71 de 12 de novembro de 1971. Justificando a opção pela leitura através de uma generalização sobre a ineficácia do sistema educacional, como se as condições adversas de muitas de nossas escolas fossem motivo suficiente para negar a todos o direito à educação que lhes é garantido pela Constituição Federal no artigo 205. Sendo assim, o texto dos PCNs ao invés de enfatizar a necessidade de se criarem condições para que a obrigatoriedade do ensino de LE na LDB de 1996 e a conseqüente necessidade de mudança nas condições de seu ensino alterem o contexto adverso gerado pela legislação anterior, fornece justificativas para  a não realização de suas propostas.

          Nos PCNs, a inclusão de habilidades orais no currículo é condicionada à possibilidade de uso efetivo da língua pelo aprendiz, como se isso fosse totalmente previsível de antemão. Na página 20, reforçando a discriminação contra as classes populares, os autores argumentam que:

“No Brasil, tomando-se como exceção o caso do espanhol, principalmente nos contextos de fronteiras nacionais, e o de algumas línguas nos espaços das comunidades de imigrantes (polonês, alemão, italiano etc) e de grupos nativos, somente uma pequena parcela da população tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de comunicação oral, dentro ou fora do país. Mesmo nos grandes centros, o número de pessoas que utilizam o conhecimento das habilidades orais de uma língua estrangeira em situação de trabalho é relativamente pequeno. Desse modo, considerar o desenvolvimento de habilidades orais como central no ensino de Língua Estrangeira no Brasil não leva em conta o critério de relevância social para a aprendizagem”.

 

          O que nos estranha, entretanto, é o fato de que esse argumento pragmático só apareça nos PCNs de LE e que não se questionem os demais conteúdos de outras áreas, pois o mesmo raciocínio poderia ser feito para a aprendizagem de grande parte do conteúdo de outras disciplinas, utilizando o argumento de “utilidade imediata” como condição para a seleção de saberes. Se essa fosse a condição necessária para a aquisição de qualquer conhecimento, poderíamos usar os mesmos argumentos para derrubar o foco na leitura, pois entendemos a relevância da leitura em língua estrangeira fora dos muros da escola em comparação com a habilidade de compreensão oral, tendo em vista o contato de nossos jovens com a música e o cinema em língua inglesa. Isto não significa, no entanto, que a leitura não deva ser ensinada ou que o foco deveria ser só na compreensão oral.

          O documento, portanto, em vez de impulsionar mudanças na realidade para a implementação de um ensino de qualidade, apresenta uma justificativa conformista e determinista ao propor um ensino de LE recortado pela habilidade da leitura, desconhecendo, diferentemente do resto do mundo, a relevância da oralidade. Além disso, passa ao leitor a impressão de que seus autores não estão convencidos da importância de se ensinarem línguas estrangeiras no país.

          Os PCNs negam ao aluno o direito de ser sujeito de sua própria história, pois como diz Augusto (2001:12) “antecipam qual o uso que o aprendiz fará da língua estrangeira em seu contexto social” e acrescento, ignoram a possibilidade de ascensão social através da educação.

          Augusto diz que:

 

“... é preciso haver uma desconstrução da distorção implícita no discurso do legislador que assume e reconhece o lugar marginal, o contexto desfavorável no qual está inserido o ensino de língua estrangeira, mas que, ao invés de usar os instrumentos necessários para reverter esta situação, cria instrumentos que legitimam e perpetuam um sistema perverso no qual os opressores tentam transformar a mentalidade dos oprimidos, não a situação que os oprime”.

 

          Além do que já foi dito, o MEC, ao encomendar os textos dos PCNs para profissionais com crenças e filiações ideológicas diferentes, acaba por oferecer à comunidade uma política de ensino de LE contraditória. Senão vejamos:

          No texto dos PCNs, no primeiro parágrafo, afirma que “para exercer a cidadania, é necessário comunicar-se, compreender, saber buscar informações, interpretá-las  e argumentar”, o que implica desenvolvimento de todas as habilidades lingüísticas. No parágrafo seguinte, o texto prossegue em sua argumentação reiterando a importância do ensino de LE como um direito do cidadão:

 

“A aprendizagem de línguas estrangeiras, como direito básico de todas as pessoas e uma resposta a necessidades individuais e sociais do homem contemporâneo, não só côo inserção no mundo do trabalho, mas principalmente como forma de promover a participação social, tem papel fundamental na formação de jovens e adultos. A língua permite o acesso a uma ampla rede de comunicação e à grande quantidade de informações presentes na sociedade contemporânea”.

 

          Na seqüência o documento enumera várias situações em que a LE será fundamental e entre elas estão exemplos que demandarão as diversas habilidades, tais como consulta a classificados, redação de currículos, leitura de manuais, entrevistas para emprego, etc. como contribuição profissional, e, como alternativas de lazer, leitura de livros, jornais e revistas, compreender melhor filmes, telejornais, documentários, entrevistas, novelas, etc.

          Podemos perceber, no exame desses documentos, as contradições do poder público e da própria academia, a quem o governo encomenda os textos, que ora reconhecem e enfatizam a importância do ensino de línguas e ora criam barreiras para seu ensino efetivo.

          Apesar de tudo o que vimos, acreditamos, como Silveira, que a aprendizagem de línguas estrangeiras é um instrumento de grande valia na interação interpessoal e na circulação de informações entre os povos, avaliamos que ainda há muito que avançar na política educacional brasileira nesse sentido.

 

 

Temas Transversais e Ensino de Inglês

 

          Segundo o documento do MEC a respeito dos temas transversais, a educação deve formar os alunos para serem cidadãos ativos, portadores de direitos e deveres. Para isto, a escola deve preparar o aluno para que este desenvolva os critérios necessários ara sua participação social efetiva. Da mesma forma que os PCNs salientam a importância do ensino das disciplinas tradicionais, assumem também a postura de que existem temas urgentes a serem tratados, como a violência, a saúde, o uso de recursos naturais, os preconceitos, etc. Apesar destes temas serem tão importantes quanto as disciplinas tradicionais, não são configurados como disciplinas. É aí que entram os temas transversais. São temas propostos que seriam tratados tanto em português, como em matemática, história, geografia, desde que os conteúdos destas disciplinas assim o permitissem.

          Segundo recente matéria publicada no jornal Folha de São Paulo,

 

“a importância dada a determinados campos do conhecimento escolar vem acarretando uma valorização dos conhecimentos necessários à preparação para a vida acadêmica em detrimento do saber utilitário que abrange as classes sociais menos favorecidas, que necessitam lidar com a prática da realidade para sua própria sobrevivência. Esta importância às disciplinas aplicadas no currículo escolar, uma após as outras sem nenhuma associação, desprezam o conhecimento prévio dos alunos dissociando o conhecimento adquirido na escola, de sua aplicação no cotidiano”.

 

          Percebemos, aí então, a importância da interdisciplinaridade que vai propiciar intercomunicação preparando o aluno para a realidade e para a cidadania efetiva. Isto só será possível com a introdução dos Temas Transversais que vão dar conta da realidade social, não apenas fazendo com que o aluno reproduza o conhecimento, mas transformando-o. A transversalidade se torna, assim, a materialização da interdisciplinaridade na escola.

          Os temas transversais sugeridos, conforme citados no início desse capítulo, não se tratam de novas matérias, mas assuntos que devem perpassar todas as disciplinas ao longo do ano. Como a escola não é uma ilha de ensino e está inserida em determinada comunidade, com seus conflitos, aflições e alegrias, o professor deve criar espaços dentro do conteúdo programático da disciplina através de sua prática docente para que crianças e adolescentes discutam e opinem sobre tais fatos. É essa, justamente, a proposta dos Temas Transversais que não devem ser trabalhados como atividades isoladas, mas sim em conjunto com professores das demais disciplinas.

 

Referências:

AUGUSTO, R. C. O inglês como capital cultural no contexto de escolas regulares: um estudo de caso. 2001. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte.

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais, Códigos e suas Tecnologias. Língua Estrangeira Moderna. Brasília: MEC, 1999.

 

FOLHA DE SÃO PAULO. Professores não entendem parâmetros de ensino do MEC. 1/11/99.

MACEDO, F. F. Parâmetros Curriculares Nacionais e a falácia de seus temas transversais. Revista de educação AFC, nº 108, 1998

PCN. Disponível em: <http//:www.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pdf/estrangeira.pdf>. Acesso em 25 mai. 2005.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. MEC. PCNS – 5ª a 8ª  LÍNGUA ESTRANGEIRA. Secretaria de Educação Fundamental – Brasília, MEC / SEF, 1998.

Evandro Carlos Braggio.

Novembro, 2006.