AS MANIFESTAÇÕES DO INCONSCIENTE NO DIACA DIA

29/03/2022 12:14
 
Quando Sigmund Freud publicou A Interpretação dos Sonhos em 1900, ele procurou explicar os processos mentais inconscientes presentes na formação dos sonhos a fim de provar sua tese de que eles, os sonhos, são a realização de um desejo. 

Todavia, não era apenas os sonhos seu objeto de estudo na época. Em um ponto de sua obra, Freud problematiza de forma curiosa o tema das manifestações do inconsciente ao questionar o leitor com a pergunta: "Será que se deve fazer pouco da significação ética dos desejos suprimidos - desejos que, assim como levam aos sonhos, podem um dia levar a outras coisas?" (vol. V, p. 643). 

Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901) foi escrito para responder a essa instigante pergunta. Nessa obra, Freud amplia o estudo sobre as pulsões emanadas do inconsciente para explicar os lapsos de memória (esquecimentos), atos falhos, erros na fala e na escrita, bem como diversos outros equívocos considerados pelos leigos como sendo inocentes erros, destituídos de sentido ou significado. 

Antes desse estudo, porém, acreditava-se que a Psicanálise era apenas indicada para tratar pessoas que sofriam de histeria e doenças psicóticas. Com sua obra, Freud rompe esse paradigma e situa a Psicanálise em outro patamar de importância e reconhecimento. 

O livro Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana vem para demonstrar que a Psicanálise não é uma abordagem psicológica limitada ao tratamento das anormalidades, mas sim para descrever e compreender o funcionamento da mente humana numa perspectiva mais global, em que estão inseridos todos os transtornos e incômodos do cotidiano dos seres humanos. 

Por meio de inúmeros exemplos pessoais e também de alguns colaboradores, Freud expõe de forma bastante didática e pormenorizada os processos inconscientes envolvidos nos sintomas psicopatológicos do cotidiano. 

Ele propõe a identificação de tais sintomas, agrupando-os basicamente em três categorias: atos falhos, erros de linguagem e esquecimento. 

A primeira vez que Freud utiliza o termo ato falho foi numa carta enviada a seu amigo Fliess em que diz: "finalmente compreendi uma coisinha de que suspeitava há muito tempo - o modo como alguma coisa às vezes nos escapa e em seu lugar nos ocorre um substituto completamente errado" (1901, p. 15). 

Segundo nos ensina Freud, o ato falho é a firmação de um compromisso entre o consciente e o inconsciente, ou seja, ambos se unem para realizar um desejo. 

O grupo dos erros de linguagem compreende os atos falhos pertinentes à fala, escrita e leitura. Para Freud, há indícios de que tais erros não sejam apenas deslizes inocentes e que deve haver um conteúdo latente disfarçado de lapso. Para Freud, há "um conteúdo de pensamento que se esforça por permanecer oculto, mas que, não obstante, não consegue deixar de denunciar inadvertidamente sua existência, das mais variadas maneiras" (1901, p. 95). 

Dentre os lapsos de memória (esquecimentos) propostos por Freud, encontra-se uma gama de nomes, como os nomes próprios ou palavras estrangeiras. Segundo ele, tanto o esquecimento completo de um nome como a substituição por outro, desnuda um trabalho inconsciente de despistar o conteúdo verdadeiro. Para Freud, o mecanismo referente a esse esquecimento é "a perturbação de um pensamento por uma contradição interna proveniente do recalcado" (1901, p. 33). 

A questão levantada por Freud no livro dos sonhos e que encabeça o presente artigo toma muito mais sentido quando ela toca em dois assuntos bastante delicados: a automutilação e o suicídio. 

Na parte do livro destinada aos equívocos da ação (capítulo VIII), Freud consegue estabelecer uma conexão entre os conteúdos latentes presos no inconsciente e suas manifestações patológicas em níveis drásticos de autopunição. Em relação a isso, Freud afirma categoricamente ao dizer:

Sei agora, e posso provar com exemplos convincentes que muitos ferimentos aparentemente acidentais sofridos por esses doentes [psiconeuróticos] são, na realidade, lesões auto-infligidas. Acontece que uma tendência à autopunição, que está constantemente à espreita e comumente se expressa na autocensura ou contribui para a formação do sintoma, tira hábil partido de uma situação externa oferecida pelo acaso, ou contribui para sua criação até que se dê o efeito lesivo desejado. (1901, p. 188).

Da mesma maneira, Freud propõe que o suicídio pode estar ligado a uma pulsão inconsciente firmada anteriormente que espera tempo e lugar apropriados para ser concretizado. Assim, Freud nos conscientiza que “mesmo nos casos em que realmente se consuma o suicídio, a propensão a ele terá estado presente desde longa data, com menor intensidade ou sob a forma de uma tendência inconsciente e suprimida” (1901, p. 190). 

Para concluirmos este artigo, mas longe de termos a presunção de esgotarmos o assunto, ponderamos que, pela leitura e entendimento das postulações realizadas por Freud em Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana, precisamos reconhecer que o ser humano se percebe pouco das manifestações inconscientes das quais é acometido em seu viver rotineiro. Os inúmeros exemplos fornecidos por Freud por conta de sua experiência psicanalítica são bastante apropriados para lançar luz sobre esse tema e nos advertir a observarmos melhor nossas ações e pensamentos, a fim de compreendermos melhor o que o nosso inconsciente nos pretender comunicar. 


Evandro Carlos Braggio 

09 de Setembro de 2018 



REFERÊNCIAS: 

FREUD, S. (1900). A Interpretação dos Sonhos. Vol. V das Obras psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 

__________ (1901). Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana. Vol. VI das Obras psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.