MARGUERITE - UM CASO DE NEGAÇÃO E SUBLIMAÇÃO: ANÁLISE DO FILME NA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA

24/03/2022 18:21

Marguerite é um filme franco-belga-checo baseado na vida da cantora estadunidense Florence Foster Jenkins, lançado em 2015 e protagonizado pela atriz Catherine Frot e ambientado na França dos anos 1920.

Na película, a atriz interpreta Marguerite Dumont, uma mulher abastada que ama a música clássica e acredita ter uma belíssima voz, e por isso organiza vários concertos privados em sua mansão. Seu intuito com esses recitais é, além de angariar fundos para as questões humanitárias, proporcionar aos convidados um momento musical em que ela é a cantora principal.

Apesar de ser muito generosa, ninguém tem a coragem de contar a ela sua real condição vocal e, como se isso não bastasse, a incentivam em apresentar-se para um público ainda maior, apesar de seu marido temer uma reação negativa.

Marguerite vive na França de 1920, mas sua neurose pode ser comparada a alguns transtornos das sociedades atuais. Assim como as redes sociais de nossa época proporcionam aos usuários a oportunidade de criarem um mundo particular que foge às condições reais, também Dumont decide viver a sua fantasia no afã de negar seus tristes e intensos pensamentos e a indiferença de seu marido.

Numa análise mais focada sobre o caminho psíquico que leva a personagem a escolher a música como forma de superar seus conflitos, somos levados a perceber o mecanismo de defesa conhecido como sublimação como sendo a estratégia maior.

A sublimação é, além dos conceitos clássicos propostos por Freud e futuros acréscimos por parte de Lacan, Winnicott e outros psicanalistas, um processo particular e importante para a sociedade. Freud (1929) enfatiza ainda mais a importância da sublimação para a sociedade, no sentido de ser ela um dos mecanismos psíquicos responsáveis pelas produções culturais, indicando seu desenvolvimento como fruto da civilização e favorecedora do laço social.

Assim, os gritos de uma angústia sonhadora fazem com que a personagem não apenas almeje ser uma cantora lírica aclamada, mas acredite nos seus devaneios mesmo nunca tendo pisado em um palco para realizar um recital.

Sob um olhar psicanalítico, a negação constitui outro mecanismo de defesa presente no drama social de Marguerite. A negação se constitui como uma forma de repressão em que os pensamentos estressantes são proibidos na memória. Sua dinâmica inconsciente é "se eu não posso lidar com isso, isso simplesmente não existe para mim".

Em sua obra A Negativa (1925), Freud reflete que: 

O conteúdo de uma imagem ou ideia reprimida pode abrir caminho até a consciência, com a condição de que seja negada. A negativa constitui um modo de tomar conhecimento do que está reprimido (p. 25).

A negação, no caso da personagem de se recusar a aceitar suas limitações vocais, a faz recalcar qualquer possibilidade de insucesso e projetar sua pulsão rompendo com a realidade, como forma de camuflar seu desgosto sexual - assim como muitos adeptos de perfis sociais recheados de selfies e likes.

Nesse caso particular em reflexão, percebemos dois mecanismos atuantes no processo psíquico de lidar com as angústias. A negação e a sublimação fazem com que a personagem, em sua mimese, conduza seus desejos e sonhos de aclamação.


Evandro Carlos Braggio

01 de Julho de 2018


REFERÊNCIAS:

FREUD, S. (1925). A Negativa. Vol. XIX das Obras psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

_________. (1929). O Mal-Estar na Civilização. Vol. XXI das Obras psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.


Links para visualização:

1 - https://www.netflix.com/br/title/80079408

2 - https://www.youtube.com/watch?v=eVmbVDwPeD4